Leia a entrevista completa e descubra mais sobre o artista que ilustrou um dos livros deste mês inspirado no tema Representações Espaciais.
Há mais de 40 anos, o ilustrador Marcelo Pacheco contribui para a formação de jovens leitores. Nesse bate-papo, o artista conta um pouco mais sobre essa trajetória, o diálogo entre ilustração e texto, e o projeto com os livros do Craque da Leitura.
Craque da Leitura: De que forma seu trabalho conversa e interage com o texto?
Marcelo Pacheco: Por uma inclinação pessoal, sempre tendi a introduzir, obviamente quando o texto permite, algum toque de humor nas minhas ilustrações. Quando digo “humor”, não estou falando de algo que vá fazer os leitores “morrerem de rir”. Pode ser um objeto inusitado em cena, um detalhe na caracterização da personagem ou alguma transgressão de leis da Física, que adicionem alguma ironia ao contexto.
Nada, porém, que fuja do objetivo primordial da ilustração, que é dialogar com o texto literário, introduzindo elementos neste para enriquecer a leitura e potencializar a ideia de que a boa narrativa ficcional instiga os leitores a fazer suas próprias “viagens” interpretativas.
Minha opção profissional me permitiu assim abordar textos de Monteiro Lobato, Drummond, Mário Quintana, Ruth Rocha, Clarice Lispector, Luiz Fernando Veríssimo, Antonio Callado, Graciliano Ramos, José Paulo Paes, La Fontaine, Cecília Meireles, entres muitos outros. Foi um grande aprendizado.
CDL: Como a narrativa enviada pelos autores inspira suas criações?
MP: Ilustrei em 2018 uma série de livros infantis paradidáticos que são entregues para os assinantes do Craque da Leitura. Livros paradidáticos, como sabemos, usam o recurso da narrativa ficcional para introduzir os pequenos leitores a conhecimentos científicos e valores humanos fundamentais. Uma ponte entre a ficção e o conhecimento formal.
É fundamental que os desenhos que acompanham o texto estejam totalmente isentos de qualquer vestígio de preconceitos. Há nesse tipo de publicação, apesar do cuidado com a informação científica, um espaço para a “viagem” interpretativa do ilustrador, sempre com o objetivo maior que é de capturar a atenção do leitor e dar a ele a sensação de que aprender é uma atividade prazerosa, além de enriquecedora.
Para esses recebi a orientação relativa à faixa etária do público alvo. Uma boa sintonia e confiança entre ilustrador e editor são fundamentais para a realização do trabalho. Eu me senti muito à vontade para ilustrar os livros conforme os meus métodos e princípios.
CDL: Como você alinha seu processo criativo com a proposta pedagógica do livro?
MP: Meu processo de trabalho se inicia, obviamente, com uma leitura atenta do texto. Muitas vezes, o processo criativo já é desencadeado no momento da leitura. Adquiri o hábito de passar todo o texto do livro para o celular. Sou um usuário do transporte coletivo e posso assim, mesmo em trânsito, ler e anotar ideias para as ilustrações.
Os anos de atividade conferem aos profissionais das artes visuais a habilidade de desenhar mentalmente. Não é raro que ao final de um trajeto de 1 a 2 horas, eu já tenha definidas e devidamente anotadas as ilustrações de um livro. Mas isso é apenas o ponto de partida.
O ilustrador recebe os arquivos do livro já totalmente diagramados, ou seja, as páginas já contêm o texto e o espaço restante delas é onde ele vai dispor seus desenhos. No meu caso, utilizando os recursos dos programas vetoriais, já desenho diretamente sobre a página diagramada. Desenhar com ferramentas vetoriais oferece inúmeras facilidades como correção de cores, deslocamento de elementos da ilustração na página para melhor harmonização como texto.
CDL: Qual a influência da tecnologia nas suas ilustrações?
MP: Ilustro livros há 42 anos, especialmente os didáticos. Foram milhares de ilustrações nesse período. Minha predileção foi sempre pelos livros de Português. Neles, eu pude exercitar uma interpretação mais subjetiva, ou seja, “viajar” um pouco mais na tradução para imagens do texto literário.
Comecei a ilustrar quando ainda não havia todos esses recursos tecnológicos de que dispomos hoje. Papel, lápis, borracha, canetinha de nanquim (que sempre entupia nas horas mais inoportunas), tintas, pincéis, eram ferramentas obrigatórias para o exercício da profissão.
Felizmente, muitos profissionais ainda preservam o uso desse aparato e a excelência artística na sua utilização. Eu, que por muitos anos fui usuário dessas ferramentas, migrei progressivamente para o meio tecnológico. Hoje, faço tudo diretamente, desde o primeiro momento do trabalho, no computador. Minhas ferramentas são exclusivamente o mouse, o computador e o celular.
CDL: Qual a missão de um ilustrador de livros infantis?
MP: Acredito que a missão de todo ilustrador de obras dirigidas ao público infantil é ajudar a estimular nos pequenos o gosto pela leitura e, consequentemente, pelo conhecimento, usando sua habilidade para produzir imagens lúdicas recheadas de informações relevantes e valores preciosos para a formação dos jovens leitores.